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As senhoras provavelmente estiveram aqui conversando sobre seus negócios. Rita de Cássia, de pais falecidos, solteira e sem herdeiros forçados, fez um empréstimo à Luisa Clara para que reformasse uma casa nessa rua. O investimento alto de Rita assegurava que, caso não fosse pago, ela ficaria com a moradia reformada da amiga, o que revela as amizades e os negócios das mulheres em tempos que eram consideradas passivas. Veja na imagem de Victor Meirelles como era a rica João Pinto na metade do século XIX:
A Rua Augusta, hoje João Pinto, era uma das ruas onde se encontrava a elite da cidade no século XIX, assim como na Rua do Ouvidor (Deodoro) e Rua do Principe (Conselheiro Mafra). As elites daqui se formaram especialmente devido a atividade comercial do Porto e a exportação de farinha de mandioca. Não existiam muitas indústrias na ilha, apenas algumas de charutos ou cerveja, e a principal delas era a de extração de óleo de baleia, na Armação da Lagoinha, fundada em 1722.
Já Rita de Cássia morava numa casa de quatro portões na Rua do Ouvidor, atual Deodoro, cuja principal companhia era da Ignez, Anna e Justina, escravas alforriadas muito cedo por Rita, sendo que suas liberdades só seriam conquistadas se servissem a patroa até sua morte, assim como a de Luisa. O escravo africano Antonio, João crioulo, Joaquim Pardo e José Africano, também foram de propriedade de Rita, sendo alforriados e destinados também a trabalhar para Rita e Luisa até a morte destas.
Como vemos, Rita teve muitos escravos para uma mulher solteira, mas as atividades domésticas eram muito importantes, pois Desterro não tinha água encanada ou serviços públicos de limpeza. As ruas eram estreitas e sujas e a praia era o destino do lixo e dos excrementos, função feita quase sempre pelos escravos a partir do toque de recolher. Dentro do lar, aos escravos cabia lavar, passar, engomar, cozinhar etc.
Além disso, a propriedade escrava era um dos indicativos do nível de riqueza, o que fazia provavelmente Rita ser respeitada dentro e fora de casa. Quando morreu, deixou para Luisa e os seus ex-escravos e escravas, assim como os filhos destes, toda sua herança, que incluia uma chácara na Rua Tronqueira, o que mostrava sua preocupação com seus empregados e com sua amiga.
A escrava Luciana, por exemplo, provavelmente viveu outra realidade em relação aos seus patrões. Ela acabou fugindo com seus três filhos dos maus-tratos do Senhor Vicente José D’espíndola. Sem conseguir ir muito longe, encontrou um enorme banhado, onde afogou os três filhos e tentou se matar para fugir da condição que se encontrava. Mas não conseguiu se matar: foi encontrada e levada para a delegacia.
As alforrias geralmente não aconteciam com um acordo justo entre ambas as partes. Ainda, mesmo na condição de libertos, estes tinham que trabalhar para a patroa até a morte desta, pois assim permitia a lei. Livres, permaneciam numa posição análoga a escravidão. Rita, dentro das suas possibilidades, preocupou-se, alforriando todos antes da morte e deixando para eles sua herança, mas nem sempre era assim.
Próxima parada
Caso você tenha chegado aqui agora e quer continuar descobrindo histórias da cidade, você pode escolher fazer o Roteiro Geral ou o Percurso Estruturas, indicados. Para conhecer mais sobre o projeto, clique aqui.
Siga nesta rua, a João Pinto, em direção à Praça XV. Logo pare e procure num poste à direita localizado ao lado do Instituto Arco Íris e em frente ao nº 188, o próximo ponto do percurso acontecimentos.
Vá até a Rua Hercílio Luz e vire à direita em direção ao mar. Procure no poste de esquina da Hercílio Luz o último ponto do percurso vidas.
Este texto foi elaborado com base nas seguintes pesquisas:
Senhoras de incerta condição: proprietárias de escravos em Desterro na segunda metade do século XIX, dissertação de História, por Daniela Fernanda Sbravati. Veja no link.
Bordados do Destino: Saberes das mulheres afro-descendentes, na passagem do século XIX ao XX, na capital de Santa Catarina, Juliani Moreira Brignol. Veja no link.
Mariano Moreno e a Primeira Formação Artística de Victor Meirelles, por Teresinha Sueli Franz. Veja no link.