Cadê o trapiche, o bar, o teatro e a avenida que era para estar aqui?

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Ponto 7 do Percurso Estruturas
Ponto 1 do Roteiro Geral

Existia um trapiche um pouco atrás de onde está o hoje o Memorial de estruturas na cor rosa clara, que vemos ao lado, na Praça Fernando Machado. Feito nos anos 2000 em respeito à sua memória, a fachada é apenas semelhante à construção original. Na verdade, a estrutura do antigo trapiche foi tão bem feita que, segundo especialistas, suas bases ainda se encontram debaixo da areia e do concreto da Praça ao nosso lado. Chamava-se Trapiche do Miramar. Foi inaugurado com pomposas solenidades em 1926, dois anos depois da abertura da Ponte Hercílio Luz, fazendo parte do conjunto de construções vistas como “modernas” para aquele contexto. Eram novidades dos anos 1920…

Legenda: Cartão Postal reproduzido em 2004 a partir da obra de José Cipriano “O Miramar dos anos de 1930”.

O nome já apontava sua principal função: ser o principal atracadouro de barcos e veículos marítimos da cidade, afinal, ainda existia um intenso tráfego entre a ilha e o continente pelo mar. Mas… perai… podemos perguntar também, cadê o mar que tava aqui? O mar vinha até onde estava o trapiche, fazendo deste um símbolo marítimo da ilha. Era como se o trapiche fosse uma extensão da Praça XV, o terminal marítimo dos passageiros. Se você caminhar entre o memorial, pode ver a marca d’água pintada em azul pela prefeitura para lembrar o mar que hoje se encontra soterrado.

Legenda: José Cipriano, “Antigo Miramar”, acrílico sobre tela.
Legenda: lateral do trapiche, sem data.

E em 1928, o trapiche se transformou em algo a mais: construiu-se ali o Bar e Atracadouro Miramar, com estrutura de restaurante e café, que atraía aqueles que queriam estar na moda ou que curtiam a eterna boemia, circulando ideias com a vista azul. Nem todos gostavam do ambiente, apesar de muitas crianças, segundo relatos, curtirem nadar nas águas ao seu redor.

Legenda: Embarcações em frente e na lateral do Trapiche, sem data.

Os anos se passaram e o sistema rodoviário se tornou mais importante que o hidroviário. O trapiche foi perdendo a importância, a administração municipal foi o deixando de lado e os proprietários do restaurante também. As águas da Baía Sul já estavam poluídas e as construções que as envolviam precarizadas. Logo, o trapiche virou um estacionamento da prefeitura. A administração municipal planejava desde os anos 1950 projetos de aterros para viabilizar a automobilidade da cidade, e o Aterro Baía Sul, esse que conhecemos hoje, era para ser construído.

Legenda: Trapiche Miramar virando estacionamento da prefeitura, assim como suas imediações, nos anos 1970
Legenda: prédio do Trapiche imerso entre as areias do Aterro Baía Sul em 1974.

O Aterro ia ser “mais moderno” e iria “resolver” o tráfego de carros. Mas certos artistas que se criaram circulando naquele espaço, assim como alguns jornalistas, empresários e parte da comunidade no geral, tiveram outra perspectiva a partir da mobilização do grupo de teatro Teatro Estudantil Catarinense (TECA), em 1972. Dentro do velho trapiche, foi criado o primeiro Teatro de Arena de Santa Catarina, chamado Teatro Trapiche.

Legenda: Jornal O Estado, 01 jul. 1972.

A ideia era que o Miramar se tornasse um espaço cultural, como outras cidades fizeram no mesmo período reformando construções antigas, como o Teatro Paiol, em Curitiba. O grupo conseguiu padrinhos para dar condições de realizar os espetáculos. Foi feito um projeto para a sua reforma, uma construção espelhada do lado de fora, envolta por um gramado e muitas luzes, para que na noite lembrasse um “transatlântico”, retomando a conexão do centro histórico com o mar, que logo perderia suas águas com a finalização das obras do Aterro.

Legenda: O Estado, 07. set. 1972.

O TECA estreou o primeiro espetáculo dia 01 de setembro de 1972 chamado “Livro de Cristóvão Colombo”, de Paul Claudel, com adaptação e direção de Sérgio Lino. José Celso Martinez Correa, o “Zé Celso” um dos dramaturgos mais respeitados do país, passou por aaqui meses depois e ensaiou o espetáculo “As Criadas”, de Jean Genet. Mas o sucesso do teatro, segundo os jornais da época, foi o musical “O Contestado”, escrito e dirigido por Romário Borelli, estreado, segundo jornais, em 20 de setembro de 1972. A estas alturas, o teatro tinha já capacidade para 150 espectadores, arquibancada estofada com napa preta, tablado de 20 m² e altura de vinte centímetros, biombo que separava o banheiro e os dois camarins feitos de madeira com as cabines de luz e som. O último espetáculo ensaiado e estreado no espaço foi “Catabumba 2000”, dirigido por Sérgio Lino. E em maio de 1974 foi realizada a última atividade, uma palestra com o ator Labanca e o espetáculo “O amante de madame Vidal”, da Companhia Teatral de Fernando Torres e Fernanda Montenegro.

Legenda: Miramar ao fundo, na década de 1950.
Legenda: Estréia O Contestado.

E, em 24 de outubro de 1974, o Trapiche foi demolido. “Das cinzas não voltarás”, dizia a manchete do jornal O Estado do mesmo dia. O principal argumento da administração municipal foi que no local onde estava o Miramar, passaria uma avenida importantíssima para o fluxo da nova ponte. A pergunta que não quer calar é: cadê a avenida que era pra estar aqui?

Legenda: O Estado, 24 de out. 1974.
Legenda: maquete construída pelos arquitetos Terra Arquitetura, no concurso Revivendo Miramar de 1988.

Próxima parada

Caso você tenha chegado aqui agora e quer continuar descobrindo histórias da cidade, você pode escolher fazer o Roteiro Geral ou o Percurso Estruturas, indicados. Para conhecer mais sobre o projeto, clique aqui.

Se você está seguindo as pistas do Roteiro Geral, mergulhemos ainda mais no mar. Para descobrir o próximo ponto:

Siga a rua Nico Luz, logo abaixo, por um quarteirão. Procure no pilar das estruturas do Terminal, em frente ao antigo Cine Rex, depois do banheiro e uma barraquinha de comida de rua, o próximo ponto do roteiro geral.

O Percurso Estruturas acabou. Parabéns,você agora sabe mais um pouquinho onde está Desterro :)

Este texto foi elaborado com base nas seguintes pesquisas:

Espaço e Memória: o Aterro Baía Sul e o Desencontro Marítimo de Florianópolis, por Paulo Cesar dos Santos. Dissertação de Mestrado de 1997. Veja ela no link.

Vida e Morte de Miramar: Memórias Urbanas nos Espaços Soterrados da Cidade, por Marilange Nonnenmacher. Tese de Doutorado de 2007. Veja ela no link.

Do Miramar ao Monumento: a Reconstrução do Velho Trapiche, Ana Luiza Panariello. Artigo publicado na Revista Santa Catarina em História de 2007. Veja ela no link.